segunda-feira, 21 de março de 2016

Last train


Quando cheguei à estação, o combóio acabava de sair. Ainda vi a traseira da última carruagem, e uma sensação de foda-se apoderou-se de mim.
Se o cabrão do taxista não tivesse perdido aqueles preciosos 3 minutos a discutir com o filho da puta do padre por causa da prioridade no cruzamento, a esta hora estava no meu lugar no Alfa, confortavelmente sentado, a abrir o portátil para ver um filme ou assim...

Pregadores e outras pragas


Estamos tão habituados a que nos toquem à porta para vender serviços de telecomunicações, que noutro dia, quando atendi duas senhoras a convidar-me para um evento de Jesus Cristo, dei por mim a perguntar qual era a velocidade da fibra, quantos canais têm e se oferecem a box e chamadas gratuitas.
Ainda aproveitei para me queixar da Vodafone, que me enganaram, disseram que o serviço era igual ao da Meo e não é nada, está a anos luz, as gravações 7 dias, o nº de canais disponíveis para ver no dispositivo móvel, o alcance do wi-fi, tudo isso é muito inferior, não está bem, fui enganado...
As senhoras olhavam para mim como se acabassem de descobrir um fóssil de mamute, até que deram uma desculpa e deixaram-me a falar sozinho.
Passado o meu entusiasmo reclamativo, dei por mim a pensar: parece que encontrei uma forma de me livrar de pregadores.
E de vendedores de telecomunicações. O contrário também deve ter a sua eficácia. Imaginemos:
- Bom dia. Posso perguntar qual é a sua operadora de internet?
- Isso não sei, mas o Senhor é o meu operador de tudo.
- Pois... e quantos canais é que tem em casa?
- Tenho os canais que o Senhor permite, que são os 4 canais portugueses, e dois deles dão sempre a missa e palavra do Senhor ao domingo, que é só o que eu vejo e...
- E internet, não tem internet, e facebook para comunicar com os amigos?
- Ah, o meu amigo é Jesus, e falo com ele quando quiser. É ligação direta, está a ver, jovem, sempre que...
- Ok, ok, bom dia e obrigado.
- Espere, meu rapaz, tenho que lhe falar mais de Jesus e do Senhor!...
- Não, obrigado, deixe estar
- Mas, mas, mas...
E pronto, deve resultar.

Golf Gold


Um amigo meu foi ver casas com um agente imobiliário.
O homem tinha um Golf dourado, e chegou atrasado 45 minutos.
Para recuperar, conduzia à piloto, chiadeira de pneus e rodas no ar, e o meu amigo, horrorizado, viu-o meter por sentidos proibidos, com carros em sentido contrário, que se desviavam já no limite da catástrofe.
Temendo pela vida, o meu amigo protestou, mas o homem sossegou-o. Explicou-lhe, muito calmamente, que um Golf Dourado está para os outros carros como um Visa Gold está para os outros cartões: dá privilégios especiais a quem os usa, permitindo usar qualquer rua, em qualquer sentido. E quem quiser que se desvie.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Aniversários


Nunca compreendi muito bem isto de se comemorar a passagem dos anos.Enfim, percebo que seja um pretexto para fazer qualquer coisa de diferente, nem que seja reunir a família à volta de uma mesa a cantar em coro. É sempre um momento fofo.Mas há coisas que odeio nos aniversários.Desde logo, a versão longa da musiquinha, quando é prolongada com 2 quadras que não acrescentam nada. E metem uma componente religiosa qua a mim, como ateu, me dá uma certa comichão.Na na na na... porque Deus assim quis... bla bla...Amigos, isto está claramente a mais! Não é preciso! As duas quadrinhas principais cumprem perfeitamente a função! Só estão a prolongar ao exagero uma coisa que até estava a correr bem! E a dar ao tio Alfredo mais uma oportunidade de nos massacrar ostensivamente com a sua pretensa voz de barítono desafinado.A malta quer é que a cantoria acabe, para malhar no bolo e no champanhe e retomar as conversas interrompidas quando de repente alguém apagou a luz.
Independentemente de algum prazer que possa tirar desse “happening” social, a marcação da passagem dos anos já me faz pensar que dei mais um passinho para o fim da viagem. Uma espécie de fim de férias, quando se aproxima o dia do regresso. Sinal do tempo: já estou numa fase em que assinalar a data do nascimento faz-me ter saudades do útero quentinho onde tudo começou...

Espirrar para dentro

Vejo um espirro como uma libertação súbita de energia, uma explosão de qualquer coisa que temos que libertar instantaneamente.Ora, há pessoas que espirram para dentro.Não espirram. Impirram.Um impirro não liberta energia, não é uma explosão, é uma implosão.E como qualquer implosão, pode causar destruição interna.Confesso que me fascina ver pessoas a dar valentes impirros.Fico sempre à espera que os olhos, as orelhas, o nariz, enfim, qualquer coisa lhes salte da cabeça no próximo impirro.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

A cabeça do menino

O puto irrequieto combatia o aborrecimento da viagem correndo ao longo do corredor do autocarro.

O autocarro parou, saíram e entraram passageiros, e o motorista fechou a porta do autocarro no momento em que o rapaz metia a cabeça de fora.

O puto gritou quando sentiu a pressão na cabeça entalada.

A mãe correu, aflita:

- Ó sr. Motorista, olhe a cabeça do menino!

O motorista voltou a abrir a porta, o puto soltou a cabeça e voltou para o interior, correndo para junto da mãe.

A mãe segurou-o, e deu-lhe uma sonora chapadona, audível no fundo do autocarro, que lhe apanhou a cara e boa parte da orelha esquerda.
O puto cambaleou e bateu com a testa no tubo cromado, enquanto a mãe vociferava:

- Toma lá, meu estapôr, para aprenderes a ter cuidado com a cabeça!

Ervas medicinais


Um amigo contou-me esta estória. Parece coisa de anedota reciclada, mas conto na mesma.

A dada altura da sua vida, vivia ele em casa da avó, e resolveu criar uma pequena plantação de erva na discreta marquise que constituía o prolongamento do seu quarto. Com carinho e algum cuidado, tinha já uma esplendorosa copa de canábis, vistosa e madura, que tencionava usar em proveito próprio ou para cimentar algumas amizades.
A plantinha, inevitavelmente, despertou a curiosidade da avó. Questionado, justificou como sendo uma planta que lhe recomendaram para fins medicinais, e quando estivesse frondosa daria um chazinho milagreiro para as suas dores nas costas.

Certa vez chegou a casa e encontrou a avó e duas amigas estranhamente alegres.
Tomavam chá, o chazinho para as dores nas costas, colhido diretamente da ervinha encontrada no vaso da marquise.